terça-feira, 30 de julho de 2013

Roupas da Le Lis Blanc são fabricadas com escravidão

Fiscalização resgata 28 pessoas, incluindo uma adolescente de 16 anos. Costureiros vítimas de tráfico de pessoas viviam em condições degradantes e cumpriam jornadas exaustivas.

A parede é de tijolos aparentes, com reboco improvisado e tábuas tapando as janelas. O piso é de cimento, coberto de retalhos, linhas e sujeira. Há fios de eletricidades puxados de maneira improvisada por todos os lados, alguns perigosamente próximos de pilhas de tecido, e, em um canto da improvisada oficina de costura, uma caixa d´água. Para ficarem mais próximos das máquinas, os lustres pendem do teto amarrados por cordões em que é possível ler “Le Lis Blanc”, nome de uma das grifes mais caras do país. Espalhadas nas mesas estão etiquetas da marca, peças finalizadas e guias com orientações sobre tamanho e corte. Em cômodos próximos, ficam os trabalhadores bolivianos, vivendo em beliches em quartos apertados, alguns com divisórias improvisadas, recebendo por produção e cumprindo jornadas exaustivas.
RBSO lança dossiê temático: Atenção Integral em Saúde do Trabalhador: Desafios e Perspectivas de uma Política Pública

A Revista Brasileira de Saúde Ocupacional em seu volume nº 38 apresenta uma gama de artigos interessantes a respeito da Atenção integral em Saúde do Trabalhador.
Vale a pena conferir no site da RENAST online - http://www.renastonline.org/ ou do Scielo - http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0303-765720130001&lng=pt&nrm=iso

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Amianto: um grave problema de saúde pública

"Não há limite seguro para exposição ao amianto." A declaração do diretor da ENSP, Hermano Castro, embasada pelo critério da Organização Mundial da Saúde (OMS) que recomenda a substituição do uso do amianto, sempre que possível, foi o tema da exposição O caso do amianto crisotila no Brasil, ocorrida durante o curso Saúde do Trabalhador sob uma Perspectiva de Saúde Ambiental, em 10/7. A atividade teve a participação do pesquisador Francisco Pedra, do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da ENSP, e coordenação do médico especialista em Saúde Pública e Medicina do Trabalho René Mendes e da pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais Elizabeth Costa Dias.
Em diversos países, o amianto já foi proibido em todas as suas formas químicas e estruturais; outros restringiram sua utilização. Entretanto, no Brasil, a fibra tóxica continua a ser explorada e utilizada em grande escala. Segundo o diretor da ENSP, que, desde 1979, acompanha doentes pela exposição à fibra cancerígena, as empresas argumentam que apenas o amianto anfibólio – já banido no país – traz graves consequências à saúde, ao passo que o crisotila não possui tal característica.
“O amianto é considerado uma substância que apresenta comprovado potencial cancerígeno em quaisquer das suas formas ou em qualquer estágio de produção, transformação e uso”, assegurou Hermano. Segundo ele, de acordo com a OMS, a crisotila está relacionada a diversas formas de doença pulmonar (asbestose, câncer pulmonar e mesotelioma de pleura e peritônio), e não há limite seguro de exposição para o risco carcinogênico. “A OMS recomenda, complementarmente, que o uso do amianto seja substituído, sempre que possível, da mesma forma que a Organização Internacional do Trabalho já o fizera”, completou.
De acordo com o diretor, o amianto é considerado um problema de saúde pública. Ainda assim, é muito utilizado como matéria-prima na maioria das indústrias dos países de economia periférica, principalmente na produção de artefatos de cimento-amianto para a indústria da construção civil (telhas, caixas d’água, divisórias, painéis acústicos, forros e pisos etc.) e em outros setores e produtos, como guarnições de freios (lonas e pastilhas), juntas, gaxetas, revestimentos de discos de embreagem (no setor automotivo), tecidos, vestimentas especiais, pisos, tintas, revestimentos e isolamentos térmicos e acústicos, entre outros.
“Enfrentado a princípio como um problema do trabalho, relacionado exclusivamente aos trabalhadores expostos, o risco passou a ser entendido como um problema de saúde pública, em que a ameaça ultrapassa os limites da fábrica, atingindo a população indiscriminadamente. Nossa análise se concentra em torno do amianto e suas consequências na saúde e vida da população exposta.”
Após relatar casos de irresponsabilidade da indústria no país, Hermano citou o caso europeu. Nesse continente, de acordo com ele, a preocupação é com toda cadeia produtiva, independentemente do setor. “A embalagem de um frango exportado para a Europa traz o aviso de que o produto não contém amianto. Eles estão alertas até para a substância que compõe o telhado das granjas. Enquanto os europeus se preocupam com todas as etapas de produção, nós não conseguimos nem o banimento da fibra”, exemplificou.

Preocupação com as vítimas dos ataques de 11/9/2001

A mesma indústria que produz caixas d’água com a fibra alternativa, explicou Hermano, também produz telhas de amianto. No entanto, não foi a preocupação com a saúde das pessoas que modificou a forma de produção. “Houve um ajuste de mercado em relação à utilização do material nas caixas d’água, não pela preocupação com os danos à saúde, mas em função do peso e da cor, que acabam sendo mais um atrativo. Essas mesmas fábricas produzem telha de amianto. A substância está presente em 8% da composição de uma telha, sendo possível a substituição pelo polipropileno, por exemplo. Mas elas possuem um fornecedor da fibra cancerígena por mais de 60 anos, que são as minas”, concluiu o diretor.
O pesquisador do Cesteh Francisco Pedra questionou os argumentos fornecidos pela indústria do amianto para dar continuidade à produção. “Uma dessas justificativas afirma que a acusação contra a crisotila é apenas uma disputa de mercado, na qual utilizamos a estratégia do medo ao associar a fibra ao câncer. Isso não é verdade.” 
O palestrante disse que 85% do amianto é empregado na construção civil e revelou preocupação com as vítimas dos ataques terroristas das torres gêmeas, em Nova Iorque, em 11 de setembro de 2001, e com os trabalhadores desse ramo no país. “Temos uma alta rotatividade do trabalho na área da construção civil, e a latência das doenças atribuídas ao amianto é de 10 a 60 anos. Perguntar para um trabalhador se ele teve contato com a substância há mais de 50 anos é complicado. O mesotelioma é um indicador da exposição ao amianto.”
Fonte: Informe ENSP, 16/07/2013

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Saúde do trabalhador: SUS tem competência legal para fiscalizar e autuar empresas

É lei. Quando um trabalhador tem um acidente no trabalho ou alguma doença decorrente da atividade profissional, a empresa deve comunicar o fato ao INSS.
O aviso se faz por meio da Comunicação de Acidente de Trabalho – a CAT. É um formulário que a própria empresa preenche. Essas informações são importantes de vários pontos de vista: trabalhista, social, previdenciário, estatístico e epidemiológico. Tanto que, em caso de omissão, a lei determina autuação e multa, independentemente de facultar a sua emissão por autoridades sanitárias, sindicato ou o próprio segurado.  Foi o que aconteceu com a Pirelli Pneus Ltda., em Campinas (SP).
Durante inspeção, agentes do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), órgão da Secretaria Municipal de Saúde, descobriram que a empresa deixou de emitir a CAT para um funcionário com osteartrose.
Também conhecida como artrose ou osteoartrite,  a doença decorre de lenta e progressiva degradação de um tecido elástico que recobre as extremidades ósseas e amortecem os impactos. É responsável por 7,5% dos afastamentos do trabalho no país.
A Pirelli contestou na Justiça do Trabalho. Alegação: o Cerest (leia-se SUS) não teria competência para autuar e multar empresas, pois tais atribuições seriam apenas dos fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
O Cerest replicou, reafirmando ter, sim, competência para fiscalizar e impor multas referentes à saúde pública, independentemente das relações de trabalho.
O Juiz do trabalho Rafael Marques de Setta, da 11ª Vara do Trabalho de Campinas-SP, negou a demanda da Pirelli, reconhecendo a competência legal do SUS em relação às questões de saúde e trabalho.
Em bom português: Vigilância e fiscalização em saúde do trabalhador são competência também do SUS e não apenas do Ministério do Trabalho.
“Desde a Constituição de 1988, o SUS tem várias atribuições na área de saúde do trabalhador. Uma delas é promover ações de vigilância, inclusive fiscalizar plenamente ambientes de trabalho”, explica a médica-pesquisadora Maria Maeno, da Fundacentro, em São Paulo. “Reconhece-se, assim, acertadamente que vários elementos da relação de trabalho são determinantes para a saúde e a produção de acidentes e doenças do trabalhador.”
Apesar de a legislação ser bastante clara sobre essas atribuições, muitas empresas contestam. Há resistência também da corporação dos auditores fiscais do trabalho.
“Se a vigilância e fiscalização em saúde do trabalhador fossem efetivamente feitas pelo SUS,  o Estado e a sociedade teriam um grande ganho”, defende a doutora Maeno. “Em vez de as empresas serem fiscalizadas por centenas de fiscais do trabalho, seriam fiscalizadas por milhares de agentes do SUS em todo o país. Além disso, as atribuições do SUS não se restringem às empresas formalmente constituídas; elas alcançam qualquer local de trabalho.”
Ou seja, do ponto de vista legal, não há a menor dúvida: o SUS (vigilância e fiscalização das condições e organização do trabalho) e Ministério do Trabalho  e Emprego (fiscalização do trabalho) têm atribuições em comum na área de saúde do trabalhador.
Portanto, poderiam ter ações integradas. Na prática, porém, isso não acontece na maior parte do país. Campinas é um dos poucos municípios onde SUS e MTE trabalham em conjunto em saúde do trabalhador.
Detalhe: as referências para fiscalização são diferentes.
O SUS fiscaliza com base nos códigos sanitários e na literatura científica, o que dá maior amplitude às ações.
O Ministério do Trabalho apóia-se nas normas regulamentadoras (NR). O problema é que algumas estão desatualizadas e outras trazem consequências negativas para os direitos dos trabalhadores. É o caso NR7, que determina a realização de exames periódicos por médico contratado pelas empresas; muitas vezes eles têm sido usadis para demitir trabalhadores.
Qual o caminho?
“Os órgãos governamentais devem buscar a articulação real para atuação sinérgica”, defende a dra. Maria Maeno. “Já as empresas deveriam cumprir o seu dever em vez de sobrecarregar a justiça com ações contestando competências legais estabelecidas.”




Fonte: Blog da Saúde, 26/04/2013, por Conceição Lemes